terça-feira, 19 de agosto de 2014

Ler

Ler


Gosta muito de ler e lê mesmo de tudo, pois incluso a mais previsível das histórias lhe deixa espaço para construir e contar-se as suas pequenas histórias. Assim, por exemplo, o livro que está a ler não explica como é que as personagens caminham, e ele imagina a heroína a saltar sobre uma perna entretanto agarra a outra e tenta com grande esforço colocar o pé na boca, vê o suor e os pequenos sorrisos quando ela está quase certa de que o vai conseguir. E assim faz com tudo o que não está lá escrito: com o jeito de respirar, de falar, de olhar, de se arranhar, e também com o tamanho dos olhos, mãos, etc. Agora mesmo, no livro que lê, a heroína está a jantar com outra gente, o livro diz que «jantam com grande gosto no entanto Herói não deixa de espreitar os olhos de Heroína» e ele os imagina numa mesa grande, cheia de boas comidas, como as que faz sua avoa, e os vê a tentar comer com os olhos (achegando a comida a eles e pestanejando muito rápido) e também a tirar as andróias e cherovias ao ar para depois apanha-las com a língua e engoli-las sem mastigar. Ler deste jeito não se lhe faz rir, também lhe faz sentir uma grande empatia pelo herói, pois relaxa e percebe com claridade todas as circunstâncias (sócio-económicas, culturais, emocionais e de localização à mesa) que lhe impedem agora alcançar a beijar o seu amor, e sente a grande mágoa do herói como própria, porém sabe que ainda há outra circunstância que neste intre os afasta e sente, também como própria, a ledícia da heroína que finalmente conseguiu colocar o pé na boca.


(Publicado em Elipse núm. 1, outubro de 2013)

 Adrián Magro (A Corunha. Galiza)
«Foi nado na Corunha polos seus pais, gente do Val d'Eorras. Além de escrever ficções, dá aulas de línguas e traduz ou isso tenta. Ah, e tem um blogue e é este: adrianmagro.tumblr.com

terça-feira, 12 de agosto de 2014

Rosalía

Rosalia

Verde te come a ervinha
Rosalia rosa  minha
Que tu tomaste nos lábios
Nos rios do coração
Quando andavas nos campinhos
Nos barcos do mar fechado
No sol negro do caixão
Nesse teu caminho alado
Que foi o teu caminhar.
Rosalia lua minha
Entra o mar pela janela
E o teu coração dentro dela
E a envolvê-lo a chorar
Chora o lume duma estrela.

(Publicado em Elipse núm. 1, outubro de 2013)

 Henrique Dória (Porto. Portugal)«Vivo no Porto. Sou advogado, escritor. Tenho publicados três livros de poemas e dois de prosa. Em publicação tenho mais um livro de poemas e outro de contos.
Fui colaborador do suplemento literário do jornal Diário de Lisboa, da revista Vértice e também de alguns jornais. Sou autor do blog Odisseus: odisseus.blogs.sapo.pt».

terça-feira, 5 de agosto de 2014

Bolotas

Bolotas


...calculista já num estado deflagrante.
Anoso..., já após o seu instante.
Só ouve o marulhar dos restos de sexos
titubeantes,
tresmalhados.
Depois..., chora mais que nem uma hiena.
A podridão o encaminha ao anti- sepulcro.
Belo, já sepultado;
de quando em quando, quem o «conhece»,
dá-lhe bolotas compungentes.
(Publicado em Elipse núm. 1, outubro de 2013)

Virgílio Liquito (Porto. Portugal)
Publicou alguns livros em prosa. Participou em revistas (Última Geração e Pé de Cabra), então sediadas no Porto. Colaborou com poemas nos eventos de Versos Soltos, em Espinho. Em Filo-Cafés em Portugal e Galiza. Tem, pontoalmente, colaborado na Porte Verde e regularmente no Círculo Poético Aberto, cujos eventos têm sido lavrados no café Uf, em Vigo.