terça-feira, 30 de dezembro de 2014

O Sol de África


O Sol de África

O sol de África,  redondo, amarelo
deitado nos relevos geométricos 
dum  djembe   que soa ao amencer
                                                     tam tam tam tam
A realidade cria  sons  de madeira
enchoupados  na auga dum rio
que às vezes  também chora
Os fechados olhos  internam-se
na raizame da erva, na terra
nos pés em coiro que caminham
baixo nuvens  grises de incerteza
A rota atravessa  as árvores  robustas
num  encadeamento que semelha não ter  fim
As vozes de África 
vêm  envolvidas no tam tam  do vento
Refletem  laios doutra hora
                                              e desta
O liberado ritmo
acada eco  entre  os dedos
debuxa  bágoas
na face chocolate duma rapariga
 infibulada
voa polo celeste céu de África
na tensa pele,  folgam as notas  duma melodia
                                                   duma oração
Uma mãe face de chocolate
intenta amamentar ao seu meninho
com o calostro que deita das suas mamas murchas
                                                                                  caídas
                                                                                  de fome
Sol de África
África negra
África nossa!
                                  Tam   tam  tam  tam tam  tam


(Poema recitado no ato África Nossa, publicado em Elipse n.º1)

Cruz Martínez Vilas (Armenteira, 1960. Galiza)
Fundadora de Penúltimo Acto (Acción Poética). Organizadora do ato Círculo Poético Aberto no Café Uf (Vigo). Pertence á Junta Diretiva da Asociación Cultural O Castro de Vigo. Publicou os livros Espelho de mim mesma (Círculo Edições, 2014) e Xerografia em branco e negro (Corpos Editora/Poesia Fã Clube, 2014).
Ganhou, entre outros, o primeiro premio no XXII Certame de Poesía en Lingua Galega Rosalía de Castro, com o poemário Amante tocada pola antropofaxia em 2008, o XXVI Poesía en Lingua Galega Rosalía de Castro, com o poemário Contemplo o proceso inevitábel da despedida em 2012 e o II Certame de Poesía em Língua Galega Manuel María com o poemário O lánguido ocaso dunha dalia. Blog pessoal: No ollar dun bufo verde.

sexta-feira, 26 de dezembro de 2014

Ethopeia: Domindo no Corpo, de Aurelino Costa ou a poesia como horizonte de eventos

Domingo no Corpo, de Aurelino Costa ou a poesia como horizonte de eventos


Domingo no Corpo é o último livro de poemas de Aurelino Costa (Argivai, Póvoa de Varzim 1956) a vir a lume. Poeta, diseur e actor, Aurelino Costa é autor de uma produção poética que, desde a última década do século passado – a sua primeira publicação em livro, Poesia Solta, data de 1992 –, se vem assumindo como uma das vozes da poesia contemporânea portuguesa com uma densidade refundadora da linguagem, tanto ao nível da imagética, como das virtualidades surpreendentes com que trabalha a língua poética, na sua concisão fónica e semântica, depuradora.

Como diseur, tem emprestado a sua voz em regulares eventos em que a poesia é aclamada e declamada. Assinale-se, a título de exemplo, a sua participação no registo audiográfico comemorativo do centenário do nascimento de José Régio (2001), com música e interpretação do Maestro António Victorino D’Almeida. Ou ainda a sua colaboração, ao nível da narração, em Miguel Cervantes & las Músicas del Quixote, com Hespérion XXI, sob a direção de Jordi Savall (2006).
O poemário Domingo no Corpo chega ao leitor acompanhado de três outos textos que procuram sinalizar a singularidade criativa da poesia nele contida. Um, da autoria de Alexandre Teixeira Mendes que, sob a forma de opúsculo, funciona como prefácio. Os outros dois, de Ondjacki e de Mário Cláudio, fecham o livro, testemunhando, nas palavras do autor de Amadeo, a «originalidade inventiva da poesia» de Aurelino Costa.

Constituído de 28 poemas, Domingo no Corpo revela-nos uma poética de fulgurações corpóreas, quer na matéria da palavra ela-mesma, quer nas coisas e acontecimentos que, por meio da sensibilidade poética, adquirem uma visibilidade que apenas pode ser refractada:
O claro orvalho na língua do fogo
Êmbolo azul num domingo antigo
(«o dia de hoje?», p. 26)

Singularidade é um dos conceitos mais intrigantes da moderna cosmologia. Início e termo de todos os universos, a singularidade corresponderia a um vórtice delirante, em que a matéria fluiria a partir de –e para–, um ponto incomensuravelmente denso. Inacessível a qualquer observador, só nos resta adivinhar o que nele ocorre. Nesse ponto em que as leis da física parecem não se aplicar, toda a visibilidade é interdita. Ponto cego por excesso de luz, nada escapa à sua intensidade gravitacional.

Horizonte de eventos é a designação de que, à falta de melhor, a física actual se socorre para descrever esta nossa resignação. Perseguidos pelo númeno kantiano, o limite que este horizonte de eventos evidencia assemelha-se demasiado ao horizonte – de que apenas descortinamos a linha –, ou à sombra que, por não ser luz, só por esta existe. Não se deixa apanhar mas também não nos abandona. Silêncio, que George Steiner declarou limite da linguagem, ou o indizível, que Wittgenstein convocava à inexorável mudez nossa, sobra o que (também) na linguagem científica é sortilégio poético:
sábias e fátuas as mãos prolongam uma fé intemporal
marcam a focagem dos templos
órgãos param nas veias, fuligem
estonteante e melancólica sobre a leva
hospitalizada a mancha escurece, a cama branca deita-se
ombros de esposa delicada
branca, muito branca, a espera brota
janela deste santuário opaco aguardo me leves com fruto, ave
no mais leve, derrames deixo a figueira, os gatos e um cão
folhas brancas do dormitório
esta pedra sem saber se a voz que escuto é luz ou treva
contemplando as ardósias e o desenho no chão
(«o fim acomete-se às sombras», p. 15)

Surrealizante sem surrealismo, a escrita de Aurelino Costa lança mão de artifícios discursivo-estéticos cujo labor os surrealistas elevaram à condição de culto. Desde o automatismo da escrita, em que os versos aparecem inextricavelmente desligados, ao cúmulo e acúmulo de sentidos que a oposição dos termos pode revelar a escrita de Aurelino Costa procura dar conta do assomo e assombro do mundo e da vida. No entanto, não há aqui um mundo da oníria, em cujos mistérios esforçadamente quiséssemos mergulhar. E escapar. O estado de coisas para que Domingo no Corpo aponta não é surreal, mas sim sobrerreal. São muitos os motivos que, das coisas às pessoas, na sua concreta espessura, atravessam os seus poemas (pedra, mãe, casa, seios, pássaro). Edificada numa consciência aguda da condição vivencial, a um tempo jubilosa e desencantada, a poeticidade da palavra deseja, em muitos dos seus versos, fazer unidade com o que nela, e por ela, é expresso. Melhor ainda: impresso. Fazer unidade quer dizer fazer casa, habitação da vida e da poesia:
estas pedras têm mãos de homens que morreram
mãos de homens que conheci,
mãos de homens que cumprimentei todas as [manhãs
pelas oito horas quando iniciavam os seus [trabalhos estas pedras falam de homens que não morrem,
homens que me acompanham estas pedras têm a luz das estrelas quando noite
e a luz do dia quando as olho
(…)
e eu não resisto a abraça-los dentro de mim
e a chorá-los na ausência dos dias que estas pedras soletram
palavras e lágrimas de tanta saudade
das manhãs em que eu cumprimentava estes [homens
(…)
e eu desejo-os vivos,
nus,
aqui sentados
olhando as pedras
a meu lado.
«pedras com mãos de homens que morreram», pp. 39-40)
Desejo de permanência, compulsão de uma continuidade que o carácter evanescente e efémero das coisas e da vida sempre acaba por desmentir, a poesia de Domingo no Corpo debate-se com a impossibilidade desse paradoxo. O poema (im)possível alimenta-se dessa insuficiência. Nesta fractura, nesta quebra que se dobra sobre si mesma, irrompe a escrita de Aurelino Costa. Não são as palavras que se quebram (ri_queza, re_dor, canta_bílis). Não são apenas as palavras que se quebram. É o mundo e a in-sistência compulsiva de nele fazermos vida –ek-sistência–, que se revelam como dobra, ou zeugma ainda, de um continuum que a língua poética procura restituir. Revelar é, aqui, o verbo que importa. Apocalíptica, no seu ascetismo hiperbólico, nas palavras de Alexandre Teixeira Mendes –será preciso lembrar que «apocalipse» significa, justamente, «revelação»–, a poesia de Aurelino Costa não reproduz, tão-somente, a dobra-sintoma de que o mundo, e nós nele e com ele, padece. Exercício de re-invenção das palavras e de tudo o que nelas cabe, incessante procura da «grande metáfora da purificação», como se pode ler no poema que tem por título «o dissolver» (p. 10), em Domingo no Corpo, a poesia é intrinsecamente demiúrgica. Demoníaca, portanto.
Em Ponta Delgada, Os Açores. 3 de Julho de 2013.


(Publicado em Elipse n.º 1)

Fernando Martinho Guimarães


Nascido transmontano (Alijó, Vila Real. 1960), foi na cidade do Porto que viveu até aos princípios dos anos 80. De formação filosófica e literária, a sua produção ensaística e poética reflecte essa duplicidade. Com colaboração dispersa, no Letras & Letras (Porto), revista Vértice e Parnasur (Revista literária galaico-portuguesa), no Suplemento Açoriano de Cultura do Correio dos Açores, no suplemento Artes & Letras do semanário Terra Nostra (Açores), passando pelo jornal Horizonte (Cidade da Praia, Cabo Verde), tem dedicado a sua         actividade ensaística à poesia portuguesa e galega. Cronista na Rádio Atlântida e no jornal Correio dos Açores, em Ponta  Delgada.
De entre os portugueses é de destacar a poesia de António Ramos Rosa que foi tema da tese de Mestrado em Literatura e Cultura Portuguesa Contemporânea. Da poesia galega, a sua ensaística tem incidido sobre a poesia de Luisa Villalta (I Jornadas de Letras Galegas de Lisboa, 1998) e a de Manuel António (Colóquio Escritas do Rio Atlântico, Funchal, 2001).
Publicou em 1996 A Invenção da Morte (ensaio), em 2000 56 Poemas, em 2003 Ilhas Suspensas (edição bilingue, castelhano/português),  em 2005 Apenas um Tédio que a doer não chega e, em 2008, Crónicas. Participou em 18 - antologia galaico-portuguesa (2011), edição dos autores, pelo Círculo Poético Aberto.


domingo, 21 de dezembro de 2014

Estou moi deprimido
asestou
unha puñada directa ao corazón
e trousou margaritas amarelas
sen compaixón
sen ton nin son
ouveou
e tragou o cuspe para a ocasión
pensou en cuspir máis tarde
cando pasara polo escenario
coa súa traxedia aquela moza da veciñanza
veciñanza virtual
que non satisfacía a onomatopea sacudida
e enarborou setecentos golpes de mala educación
falando coma un paroleiro
subido ao tobogán ao fin mascando
o tabaco de-construído que non fumara para a ocasión
e botouse polo barranco
atrapallado
arelante de estrelas e campañiñas de auga
ao tras luz vénse triángulos esquecidos de bermudas sen lei
translocen olladas ubicuas co don da ubicuidade
olladas silentes panadeiras entrecruzadas
coa luz do sol coa lúa da noite
escuridade parcial arremetida contra o cristal
petulante cantiga que abraia a morfina de onte
protestas no barrio que inician revolucións
con r de rock and roll
alta e clara esa panxoliña iracunda
que soa a escafandro
que desdiche os teus prantos
que roza o infinito ata atrapallalo
e que caro vai o apagamento de luz da hidroeléctrica sulfurosa
demos e pitufos estragados por autocríticas radiais
e bicicletas que non chegan a partir os radios en queixiños planos
cantan nanas nos currunchos asubían
e o cheirume a spray que non refresco
podería ser mortal na imaxinación da deusa menor
pero a depresión continúa
ata avasalar os números curmáns
pintura de a dous agraciando primaveras
grandilocuentes palabras agardando por arxila
que moldee o pan de molde do corpo de cristo de dios
e pisando bandeiras síntome mellor que pisando ovos
nada ten sentido obxectivo mais o subxectivo quizais
tres martelos unha fouce e unha forquita empale abecedarios
e ao chegar ao trece do calendario
rosmou coma chusma proletariat ao servizo de ningunha causa
cousas e efectos partidas de tres menaxes atrás na trastenda
e a merenda xa non a quero disputar…
entre outras outras cousas porque as lavandeiras fan o seu tamaño
dependendo de estrabismos fundacionais dos escaravellos-peixe
dóeme o fígado dóeme a vergoña interior
e case ningún fito é de espantallo vivo
todos temos moito que dicir
pulsións que expulsar peidos que labrar
barrigas que encher cervexa que regar
faladoiros que empregar para amordazar o noso inglés
pluscuamperfectos abetos de compañas infames
mandarinas que caen no albor da tarde
e anarquistas de matriz insolvente
que de náuseas ritmos embelecen os atardeceres
de delicadas doncelas que nunca tornaron tornasoles adobados
de autovía recalcitrantemente exposta a clara de ovo salomé
empantallados os servos dos microchips embalsamados en aceiro
que pululan os morcegos polas tardiñas negras das casas
solemnes acupunturas cansas de varices sen tatuaxes
ramos de rosas e estandartes vixiados por orwell no nadal
padal cromosoma enviuvado ata conquerir as ás reais do pavo morto e frío.

(Publicado em Elipse n.º 1)

Alfonso Rodríguez (Ourense, 1973. Galiza)
Livros publicados: Subir ao faiado (Positivas, 2004), A Porta verde do sétimo andar (livro coletivo, 2007), Azúcar glass (Duendebux, 2009), 18 (libro coletivo, 2011), A cidade na poesía galega do século XXI (livro coletivo, Toxosoutos, 2012) e Versus cianuro. Poemas contra a mina de ouro de Corcoesto (livro coletivo, A. C. Caldeirón, 2013)
Com o pseudónimo de minus bálido: Oremos (livro digital, A Regueifa Plataforma, 2007), assim como diversas colaborações para páginas webs, revistas e fanzines dentro do ámbito artístico, poético e político.
Impulsor junto com a sua compañeira Adriana Pérez da web Expoplanetarium:

terça-feira, 16 de dezembro de 2014

Brêtema



(Publicado em Elipse núm. 1)

José Goris (Vigo. Galiza)
Nasceu na comarca do Deça, paróquia de Manduas. É fotógrafo profissional desde o ano 1987. Participou em alguns concursos de fotografia e de desenho de cartazes, conseguindo no ano 2009 o segundo accessit no concurso de cartazes da festa de Reconquista de Vigo e em 2011 o 1º prémio no mesmo concurso representando com o seu cartaz as festa de dito ano. Tem também um diploma no concurso de fotografia realizado pela associação de comerciantes do casco velho de Vigo. Atualmente forma parte do coletivo Trisquel Art junto com Rosanegra e Cruz Martinez.

domingo, 7 de dezembro de 2014

Elipse no Ateneu Comercial do Porto

Círculo Edições no momento da apresentação de Elipse

Na companha dos nossos queridos amigos
e colaboradores de Elipse; Manuel B. Rivas e Virgílio Liquito.
Ontem, no 6D, Círculo Edições esteve no Porto. Nós também, não temos nada que celebrar... Viva Galiza ceive e independente!!!.