quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

A Boémia fica à beira-mar

A Boémia fica à beira-mar

(Böhmen liegt am Meer)

Se neste lugar as casas são verdes, vou a uma casa.
Se aqui as pontes são seguras, estou em terra firme.
Se são os trabalhos de amor sempre perdidos, perco-os gostosamente.

Não sou eu, é um que é tão bom quanto eu.

Se uma palavra confina comigo aqui, então deixo-a confinar.
Se a Boémia ainda fica à beira-mar, acredito no mar novamente.
E se ainda acredito no mar, espero encontrar terra.

Se eu o sou, então é-o todo aquele que é tanto como eu.
Não quero nada mais para mim. Quero naufragar no fundo.

No fundo – quer dizer no mar, lá encontrarei novamente a Boémia.
Destruída no fundo, desperta em silêncio.
Agora seio-o complentamente, e não estou perdido.

Vinde, boémios todos, marinheiros, prostitutas portuárias e navios
desamarrados. Não quereis ser todos boémios, ilírios, veroneses,
e venezianos. Interpretai as comédias que fazem rir.
E que são para chorar. E enganai-vos uma centena de vezes,
como eu me enganei e nunca resisti às provas,
mas eu resisti-as uma e outra vez.

Como a Boémia as resistiu e um belo dia
foi perdoada à beira-mar e agora fica à beira da água.

Ainda confino com uma palavra e com outro país,
confino, por pouco que seja, com tudo cada vez mais,

Um boémio, um vagabundo, que não tem nada, a quem nada detém,
hábil apenas para ver, do mar duvidoso, a terra da minha escolha.

(Publicado em Elipse n.º1)

Ingeborg Bachmann (1926-1973)
Escritora, dramaturga e poeta austríaca. Letzte, unveröffentlichte Gedichte.
Tradução de Xesus Manuel da Torre Martíns

domingo, 25 de janeiro de 2015

Poema numa empresa de trabalho temporário

Poema numa empresa de trabalho temporário

As sombras passeiam
tristes
pela cidade
e os corações são de plastilina verde

há quem finge chorar
mas ri nos seus adentros
e as jardinhas sulfatadas cantam
uma canção de amor na ribeira

As ondas continuam coa sua luta diária,
quiçá horária
e eu vejo que as gaivotas passam a voar
coma um jumbo do trinque

Tenho uma sensação de perda irrecuperável
Abrem-se os semáforos mais uma vez
O meu suéter tem outra bolinha grave coma
uma queda da tensão eléctrica.

(Publicado em Elipse n.º1)

Alexandre Insua Moreira (Vigo, 1978. Galiza)
Foi colaborador na edição das revistas Panta Rei, Sirxe, e Cen Corvos de Xallas e coordenador editorial da revista Máis que palabras. Pertence á Junta Diretiva da Asociación Cultural O Castro de Vigo. E é o delegado para Galiza da revista Lavra... Boletim de poesia (Porto).
Livros coletivos: 18 - Unha antoloxía de poesia galega-portuguesa (2012), Doces Loucuras - Louvor aos sorrisos. Colectânea Poética (2013), Meis é poesía (2013).
Está Licenciado em Filologia Galega e em Filología Hispânica, e especializado em Linguística Geral pela Universidade de Vigo. Blog pessoal: 
Impostura de fumador

quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

sábado, 17 de janeiro de 2015


   Para Alexandre,
 a estrela que ilumina o meu coração.

Sabes ao mel suave dos himenópteros...
Inspiras doces alouminhos na sede dum luscofusco de verão
és um leão
e um pardal, que vai aninhando mansamente
na minha zona ventricular
Olho-te coa ilusão duma nena
com traje novo num dia de festa
e faz-me tremer na concavidade mais íntima
da minha tangente
Sabes o mel doce duma noite de lazer
na que as horas medravam co desejo
e paravam estáticas num universo paralelo

As tuas mãos coma espirais
amassavam as minhas fibras
para sentir o prazer de pele com pele
e as palavras sobram...
existem mais sobram...

(E as noites são infindas e mágicas meu amante)
chucho os teus beiços
de veludo e sonho contos formosos
onde a eternidade tem o teu nome...

(Publicado em Elipse n.º1)

rosanegra [Rosa Martinez Vilas]  (Armenteira, 1974. Galiza)
Fundadora de Penúltimo Acto (Acción Poética). Organizadora do ato Círculo Poético Aberto no Café Uf (Vigo). Pertence á Junta Diretiva da Asociación Cultural O Castro de Vigo.
Livros coletivos: A porta verde do sétimo andar  (2007), Acción Poética Penúltimo Acto (2010),  MULHERES entre poesia e luita (2011), 18 - Unha antoloxía de poesia galega-portuguesa (2012), Doces Loucuras - Louvor aos sorrisos. Colectânea Poética (2013), Meis é poesía (2013), Versos no Olimpo - O monte Pindo na poesía galega (2013), Versus Cianuro - Poemas contra a mina de ouro de Corcoesto, (2013).
Ganhadora do terceiro premio de narrativa Manolo Lado com a obra A bruxa das Galanas, (2002). Ganhadora do terceiro premio de poesia Feliciano Rolán, co poemário Vacaloura dos meus soños, (2009). Blog pessoal: Sete Bolboretas verdes.

terça-feira, 13 de janeiro de 2015

em galego nasço sinto e beijo
digo nai mai ma mãe avoa e pai
moro nas casas dos meus antergos
vivo as suas coisas cadenciosas
a minha avoa fala-me em galego
nem sabe nem quere falar outra coisa
a minha nai sete passos por detrás
traduz-a ao castelão
non quere escutar
o meu pai fala e fala em castelhano
de coisas novas e remotas
na minha casa há castelhano e galego
castrapo e muita diglosia
el gallego es tan rechamante y bruto
el castellano es más moderno y fino
en castellano me enseñan el mundo
chamo-lhe perro ao cãe e também vem
a cadela é cadela e perra
cada un seu tem o seus nomes
as suas cores e os seus cheiros
amarela gesta doce dourado tojo espinho ó sol
verde tromentelo todos os verdes vivem em mim
brancos e lilas dos carrascos que pintam os cumes
dende os que eu outeo a terra toda
terrras da españa areias de portugal
bebo chá de camelia chinensis
chamo-che chá ou té ou ti da china
às vezes o escrevo tea
e sempre prende em min
falo das árvores, das suas raízes
dos ouregos no spaghetti
chamamos-lhe massa
os iris de Liz Taylor no mar atlântico
esse oceano mar de mares e rias quedas
todos os azuis vivem em min
em galego digo irma irmao irman
pão e pam
esse pão que nos tem pelo mundo
partilhando nesse espelho
galego é luta e diáspora
galego que trilha as mieses castelhanas
galego que fala galego com a lua
galegos que som espanhois
espanhois que som galegos
portugueses brasileiros africanos
na infinitude próxima
do norte do sul
na vastidade do oriente
galego preto claro baiano
viking do mar galego
galego que deixou a sua pegada genética na grande bretanha
raça ultramar que viu da américa non se sabe bem
isso é o que falam agora os genetistas de oxford
não sei se estarão de acordo os de cambrige
eu digo olá aos regatos e ás fontes
e entre as negras sombras vexo luz
sempre em Galiza sempre na mar tras-os-montes
esses slims desse centro financeiro que é avião
en méxico df, en nova york ou no rio
em salvado en manaos en cabo verde
os descobridores magalhães os castros
as belas otero maharanies do condado
os nespereiras do japão os leãozinhos
espalhando essa lusofonia pelo mundo
esta lusofonia que é poesia dura

(Publicado em Elipse n.º1)

aib1420

sexta-feira, 9 de janeiro de 2015

Aleivosía

Aleivosía


As ameixas maduras
penden da póla
ata que baten no chan,
resgan a pel,
amosan a carabuña
e fican entre as follas
coa doce fenda húmida.

Hoxe levo postas as túas bragas

sucias

(Publicado em Elipse n.º1)

Raquel Pazos Garrido (Vigo. Galiza)
Blog pessoal: Auga nos labios.

domingo, 4 de janeiro de 2015

O longo caminho de regresso a casa

O longo caminho de regresso a casa

A Gene

Conhecia-se a sim mesmo pelo epiteto do «Integro». A sua qualidade principal estar integrado em toda a única presencia.
Desde o inicio habituara-se a existir dentro de aquele local gerado através do vazio. Sua essência mais subtil: a mesma vacuidade.
Por principio ele adormecera etereamente num oceano imenso de infinitas probabilidades, ilimitadas possibilidades; caricias pressentidas no instante antes de não-ser aquele que mais tarde renuncia à ação premeditada. Fora precisamente por essa mesma causa, que o nomearam de «Inmanfestado», no entanto este sobrenome veio a popularizar-se muitas e muitas, trás milhares de milhares de eras, após seus sentidos acordarem (interior) à força da criatividade. Em este tranquilo fluir ele sentira por primeira vez o poder da Onisciência.
No entanto e, a pesar do sossego, algo muito adentro chamou poderosamente sua atenção e a energia que dai, à tona subiu, surgiu em num imparável torrente (apenas em uma minúscula milésima duma milésima comprimida dentro dos seus mínimos e múltiplos sentidos acordados no iluso sensorial, despertando-se por osmose em infinitas tentativas de desenhos por agitar numa ínfima expressão, por assim definir imprecisamente, de criatividade concreta entre vibrações múltiplas).
Ele já nunca mais pode reter aquela força e ela foi tão sumamente poderosa que acordou como em rompante (catadupa, turva, trovão) qual cascata permanente de energia fonte inesgotável fora e dentro de si mesma. Foi desta vez, milênios de milênios depois de acionar o despereço, que por algum motivo, todavia não determinado, os escrivas acordados registraram este facto como a «Força Inesgotável». E a ele denominaram-no, precisamente devido a este gesto, do «Energizado». Ai a sua gene acordou sumamente atenta ao agora que começava a sentir interiormente com o poder da Onipotência.
Extasiado ante a atmosfera de luz e cores, rica em tonalidades e reflexos sem igual; a vez que esgotado de tantas emoções explodidas dentro de suas entranhas (que viram à dar-se forma nascidas da sua consciência) decidiu aventurar-se a comprovar a universalidade e dimensão da sua própria  proeza.
Foi deste modo que fora criado o universo (a partir duma pequena semente estourada). Surgiram do amor as galáxias, os planetas, Gaia e a diversidade natural que deu a florescer a seus filhos prediletos, aqueles que a ele imploram piedade e compreensão, desde o principio dos primeiros tempos ate os nossos precários dias: clamando pelo nome que inspira compaixão (com os pecados e erros dos homens que continuam fugindo inconscientes da luz) na figura mítica do culto primigênio e ancestral versado sobre Amom-Rá, o criador e protetor daqueles que tem a cor da terra. Amom – Rá o cuidador supremo da matéria. E ai em esse estagio o Divino se pode deleitar com o poder da Onipresença.
Os homens esqueceram com presteza sua essência sagrada. Acontecera então que eles foram separados da matriz inicial, que conectava Deus ao coração dos «Iniciados» nos mistérios elevados da clareza pelo amor.
Esqueceram também a um mesmo tempo o «principio da dualidade» pelo qual as almas encarnavam neste mundo ilusório material, através do opaco espaço-tempo, para viver uma experiência necessária nascida na aprendizagem da escolha entre contrários.
No lento processo de conhecimento os homens iam aprendendo através da angustia a paz na calma, através da dor o odor da serenidade, através da luta a complementaridade benéfica do diálogo... Assim como os mais clarividentes podiam observar os opostos aderidos um no vórtice do outro: a agua no fogo, a energia do sol na chuva ou o orvalho da amanhã na pétala da rosa ferida, pela noite e a friagem. 
Mas os homens desprezaram o saber da fonte. A polaridade interior – refletida na sombra e na clareza do espirito, do mesmo jeito que feminidade – que é cova ao interior da fertilidade – e masculinidade – que é ação virada ao exterior portadora de semente – não são segregadas entre si, senão opostos complementários.
Os humanos seres tudo confundiram, apegados ao prazer, e o intuito destrutivo do egoísmo que pretende realizar todos os sonhos alçados no apetite da visão, perturbada pela exuberância. Além dos primários instintos, que a pesar, do  seu inconsciente conhecer perfeitamente o dano, eles a toda costa intentam realizar não importando o sofrimento que tal opção infringe a si próprio e os outros. 
Assim o homem começou a construir o mito da «sobrevivência» espreitando sobre o desejo de ter, perderam a o ocasião de viver na paz eterna.
Nasceu a guerra, o crime e a visão dum mundo temeroso dos filhos espalhou-se através das sombras.
Vasculhados os homens para o escuro, aqueles que eram chamados por Deus de «Guardiões da Terra», perpetraram contra o médio os maiores sacrilégios. O sangue tingiu de vermelho a pele ferida deste planeta viciado no assassínio.

As Eras

Doze eras zodiacais percorre Gaia num ano cósmico, a transitar por baixo das seis polaridades: estrelas que em seu animo guiarão cada duas eras o sinal do norte.
(Publicado em Elipse n.º1)
Arthur Alonso Novelhe (Galiza)
É membro numerário da Academia Galega da Língua Portuguesa. Tem quatro livros publicados, dois livros coletivos. Participou em várias revistas como Agália, Outras Vozes ou Identidades e em jornais digitais como o Portal galego da língua ou Mundo Galiza. Pertence ao Clube dos Poetas Vivos de Galiza.