terça-feira, 28 de abril de 2015

Amor Sublime

Amor Sublime


Alentos que permeiam este Amor
Não podem perecer nas mãos humanas.
Nem vidas devotadas ao Senhor
Almejam conceber paixões mundanas,
Pois todo sofrimento qu'é indolor
Acolhe sempre em si coisas profanas.
Unir-me, assim, a ti, de corpo e alma,
Liberta-me das dores com mais calma.
Aspectos deste Amor qu' em mim sobejam,
Tentando sublimar meus pensamentos,
Ocupam-se em teus lábios, que desejam
Vitórias cardeais, lindos momentos...
Aceito o jugo alheio; e que me vejam
Nutrir com tal Amor tais sentimentos!
Imerso nos teus olhos divinais,
Consigo me enxergar co’ um brilho a mais.
Amada em Deus criada e virtuosa,
Recebe, agora, em ti meus ledos Sonhos.
Dobrando-te em ternura suntuosa,
Exprime, pois, em mim gestos risonhos.
Angélica Regente do meu mundo,
Lapida o Nosso Amor, que é tão profundo!

(Publicado em Elipse núm. 2, fevereiro de 2014)

Adriano Tarra Betassa Tovani Cardeal (Paraíbe, 1982. Brasil)
Bacharelado em Letras na Universidade de São Paulo (USP). Licenciatura em Letras na Universidade Estadual Paulista (UNESP), onde também é Pesquisador de Estudos Literários e Monitor de Literatura Portuguesa. Professor de Língua e Literatura Portuguesa. Poeta lírico. Artigos publicados: «Ut Theologia Poesis: Confluências Poético-Religiosas entre Luís de Camões e Ruy Belo»; «Da Praesentia Tristitiae à Praesentia Insanitatis: Diálogos Temáticos entre Vidas Secas, de Graciliano Ramos, e Primeiras Estórias, de João Guimarães Rosa».

sexta-feira, 24 de abril de 2015

(.)

(.)


Quero, num texto sobre pontos negros, pôr a imagem de uma galáxia: é assim que entendo a adolescência. Se é a madrugada que põe os pontos nos iii como se eles fossem gotas de orvalho, o esplendor na relva só surge mais tarde, quando uma apaixonada vontade de foder faz, de cada meio-dia, um momento de maio. É só estar à escuta: os ecos regressam dos poços e repetem o inominável. Suspiram os buracos das agulhas por camelos, baleias brancas, reinos do céu. No fim ou no princípio da história, pode às vezes o prazer ser nacionalizado pelo coração. É a obra ao negro. É a imensidão.


Pedro Ludgero (Porto, 1972. Portugal)
No âmbito da poesia, editou Se o poema tem areia (2001), O fim não é o fim (2004) e Sonetos para-infantis (2010). Ganhou o Prémio Literário de Sintra com a coletânea de contos Leilão de pensamentos (2005). Possui bastante obra inédita. Realizou a curta-metragem Checkpoint Sunset.

segunda-feira, 20 de abril de 2015

(céu carregado)

(céu carregado)

Certas flores pendem das suas copas como vinhos de tal modo ébrios de si mesmos que contrariam a lei da gravidade – ficam anos a fio nas pipas, essas flores de uma só estação. E também velas que se acumulam acesas, ninguém morreu, deus não precisa de existir, velas a nada ancoradas a não ser ao seu fazer sopro. E também distantes banhos de espuma, onde há de um dia o Fortuna fazer propaganda a um sabonete quase metafísico. Um mundo infinitamente suspenso, infinitamente maduro. Puta que pariu, é preciso dizê-lo: são monções de beleza como as que se diz que existem nas Índias mal localizadas.

(Publicado em Elipse núm. 2, fevereiro de 2014)

Pedro Ludgero (Porto, 1972. Portugal)
No âmbito da poesia, editou Se o poema tem areia (2001), O fim não é o fim (2004) e Sonetos para-infantis (2010). Ganhou o Prémio Literário de Sintra com a coletânea de contos Leilão de pensamentos (2005). Possui bastante obra inédita. Realizou a curta-metragem Checkpoint Sunset.

quinta-feira, 16 de abril de 2015

(paronímia)

(paronímia)


As gaivotas estão a ocupar o Porto, cidade aberta. Já ocuparam aquele nicho de mercado que as pombas lentamente construíram no coração das velhinhas de jardim. Já ocuparam os ninhos que desde sempre os cucos armaram nos relógios de parede. E ocuparam também o posto das cegonhas que trazem meninos e meninas da vila de Paris. Os artistas do lugar estão, contudo, a lutar contra tal hegemonia. Já criaram a andouraine e a melrure, e estão agora a trabalhar na pardalette. Por baixo, a cidade, barroca nos ruídos e movimentos que se fundem e confundem,                  dança.

(Publicado em Elipse núm. 2, fevereiro de 2014)

Pedro Ludgero (Porto, 1972. Portugal)
No âmbito da poesia, editou Se o poema tem areia (2001), O fim não é o fim (2004) e Sonetos para-infantis (2010). Ganhou o Prémio Literário de Sintra com a coletânea de contos Leilão de pensamentos (2005). Possui bastante obra inédita. Realizou a curta-metragem Checkpoint Sunset.

domingo, 12 de abril de 2015

A morada escura dos não aceitados

A morada escura dos não aceitados


Quiçá haja que tomar nota e pôr-se à fila, coa posição exata, no lugar adequado, para que che deem palmadinhas no ombreiro  e assim conseguir  aparecer  de soslaio, ser visível...
Mas apesar de viver a contraluz, fora de ambientes escolhidos, ser mulher, pobre, classe trabalhadora e carecer de contactos interessantes, acordo cada manhã com a ilusão de uma incauta refletida na face. Não obstante, bem sei, tenho a certeza da desigualdade atroz que me bate nas costas e me eiva. Contudo, em ocasiões deixo-me afetar por um estado de onirismo conveniente.
Nasci com a perspetiva difusa, em preto e branco; irredenta, afogada pelo jugo do velho ditador. Medrei num esperpéntico cenário e acoplei-me à vida com a cegueira própria duma mulher treinada para o sacrifício. Ainda que, às vezes confabulava estratégias para sair do cárcere da estereotipia e nesses momentos sentia a brisa acariciadora duma esperança mole que me beijava no ouvido, mas a sensação era tão efémera que apenas deixava um insignificante resquício na minha pele e alertavam injustiças, bombardeando às  urpreendidas ruas com palavras idóneas, preparadas expressamente para a tirania.
Quando volvo a vista  atrás e reflexiono, compreendo que a situação não mudou muito. O tempo não é garantia de evolução. As coisas modificam-se só quando existe verdadeira consciência de mudança. O nosso amanhecer continua a ter esse tom cinza herdado de ontem, camuflado por detrás dumas siglas. Algumas, presumem de igualitárias, justas, mas, estranhamente a cultura e nomeada e escolhida a dedo. Autodenominam-se donos do Olimpo! Fora dos seus valados não existe nada, tudo vazio. Eles dominam a cultura! Não há espaço livre nos seus domínios,  nas cidades. E  eu fujo das siglas, como se se tratasse dum mal de olho. Um carro de alta gama interceta-me por detrás, derruba-me sobre a calçada fendida. A morada escura dos não aceitados.

A força do poder crunha-se com a dureza do ferro.

(Publicado em Elipse núm. 2, fevereiro de 2014)

Cruz Martínez Vilas (Galiza)
Fundadora de Penúltimo Acto (Acción Poética). Organizadora do ato Círculo Poético Aberto no Café Uf (Vigo). Pertence á Junta Diretiva da Asociación Cultural O Castro de Vigo. Publicou os livros Espelho de mim mesma (Círculo Edições, 2014) e Xerografia em branco e negro (Corpos Editora/Poesia Fã Clube, 2014).
Ganhou, entre outros, o primeiro premio no XXII Certame de Poesía en Lingua Galega Rosalía de Castro, com o poemário Amante tocada pola antropofaxia em 2008, o XXVI Poesía en Lingua Galega Rosalía de Castro, com o poemário Contemplo o proceso inevitábel da despedida em 2012 e o II Certame de Poesía em Língua Galega Manuel María com o poemário O lánguido ocaso dunha dalia. Blog pessoal: No ollar dun bufo verde.
http://noollardunbufoverde.blogspot.com.es/

quarta-feira, 8 de abril de 2015

Silencios

Silencios


Amo o silencio
máis que a palabra
o silencio puro
o silencio no silencio
Amo o silencio da fraga
o silencio da nube
o silencio da casa deshabitada
Amo o canto dos paxaros
que tamén é silencio
porque non é palabra
Amo o silencio da noite
o silencio do que cala
o silencio do que fala coa mirada
Amo o silencio do que ama
do que agarda eternamente
o silencio do que non espera nada


(Publicado em Elipse núm. 2, fevereiro 2014)

Manuel Blanco Rivas (Galiza)
Manuel Blanco Rivas nasce no concelho de Forcarei (Galiza). É licenciado em Ciências da Informação, rama de jornalismo pela Universidade Complutense de Madrid e atualmente trabalha no jornal Faro de Vigo. No ano 1990 recebe um premio jornalístico da Unicef pelo artigo A outra infancia, publicado o 9 de outubro no Faro. En 1997 leva o terceiro premio no Certame Nacional Galego de Narracións Breves «Modesto R. Figueiredo» com o relato «A lealdade do capataz Milos». No 2000 participa no libro coletivo de narração Phiccións, e no 2004 publica A sombra das Acacias, un volume também de relatos. Por último, no 2014 inclui obra na coletânea de poesia, Alén do silencio.

sábado, 4 de abril de 2015